domingo, novembro 19, 2006

Geração pos-pos-pos-doc


Este fim de semana na revista Única (que acompanha o semanário Expresso) vinha uma interessante reportagem sobre alguns investigadores nacionais. Falava sobre uma série de investigadores, que em virtude da baixa oferta de trabalho científico em Portugal, encontravam-se neste momento em programas de bolsas pos-doc para seguir uma carreira de investigação em Portugal. Um dos entrevistados já ia no seu quarto pos-doc!

Este tema é para mim muito interessante, e para a amiga Andie também, visto que já percorremos algum caminho nesta área, e eu pelo menos já equacionei a possibilidade de seguir o meu futuro profissional por esta área.
Olhar para esta série de pessoas que se dedicaram durante anos à investigação, e verificar que só com recurso a estas bolsas é que se mantêm nesta profissão, é muito pouco encorajador. Não que já não tivéssemos conhecimento destes factos, a vida dos alunos de doutoramento na FFUL deixava antever esta situação: só os que conseguem lugar como professores na faculdade é que garantem alguma estabilidade a nível profissional.
Aliás, descobri que um dos doutorados da nossa faculdade está neste momento a trabalhar nos serviços farmacêuticos do hospital onde me encontro a estagiar. Ou seja, mais de 10 anos a fazer investigação e encontra-se agora na carreira de farmacêutico hospitalar, com muito pouco a ver com o que andou a estudar e com enormes dificuldades para integrar-se de novo nas actividades mais clínicas.

A minha visão é um pouco pessimista, é verdade: as pessoas passam os melhores anos da sua vida a trabalhar a sério, para no fim obterem um título académico, uns poucos artigos publicados, e uma grande incerteza sobre o seu futuro profissional. Vale a pena?? Apenas e somente se o que se quer fazer é investigação!

3 comentários:

Anónimo disse...

Desta vez não resisti a comentar. Este é um tema que também a mim me interessa e infelizmente a realidade é como tu a descreveste. É preciso gostar muito de investigação para trabalhar nesta área em Portugal. Mas felizmente ainda há pessoas que lutam pelos seus objectivos. Eu também vou lutar pelos meus e, sinceramente, espero não ter de abdicar deles.

Abraços e continuem com o bom trabalho :)

Paulo

Andie disse...

Apresento-vos a minha analogia da investigação na FFUL (que é a única que conheço):
professor doutor - "vamos fazer um copo!"
súbdito doutorando #1 - "sim, boa! mas para quê?"
prof doutor - "não interessa, faça lá o copo."
[meses depois]
súbdito doutorando #1 e #2 - "ok, já fizémos o copo. E agora? o que é que fazemos com isto?"
prof doutor - "Epá, boa! Agora? agora fazemos outro copo."

Ou seja, a produção intelectual que temos é escassa, é medíocre e muitas vezes as vozes da inovação são abafadas por quem detém o verdadeiro controlo da mesma produção. Daí perdermos os nossos melhores anos a trabalhar com um iluminado qualquer que vive conformado com a sua investigação / actividade lectiva part-time, que nos inspira a obrigação de seguirmos os seus passos, para no fim termos x publicações e uma tese y, tudo ao seu mais ínfimo gosto!
E isto é produção intelectual de jeito? Não! porque só se criam cientistas frustrados. Ainda mais frustrados pelo facto do Estado português não considerá-los verdadeiros trabalhadores, ou melhor, considerá-los trabalhadores temporários (tal qual os adolescentes da mcdonalds). Sim, porque só convém ao Estado dar uma bolsa ranhosa durante uns anos, o bolseiro não paga impostos e obviamente inicia a sua carreira SEM descontar para a Seg Social.
Ainda está para vir o verdadeiro choque tecnológico em Portugal, quando todo este esquema vergonhoso será abolido. O melhor recurso continua a ser, obviamente, tirar pós-graduações e iniciar a carreira científica no estrangeiro. Temos de ver que o sentido prático lá fora predomina. E especialmente nos USA onde as faculdades são pagas para gerar propriedade intelectual para empresas. É uma forma de "capitalismo" intelectual que não se verifica em Portugal. [e não estou a contar com aqueles trabalhitos que um dos profs lá da escola arranja para os estudantes, só porque tem umas connections lá na empresa onde supostamente trabalha...]
Eu sei que é uma visão ainda mais pessimista que a do Ricardo, mas é a minha opinião. E pela experiência (não só minha mas alheia), vejo que o que acabo de descrever, é uma tendência neste país.
Nem mesmo pelo amor à camisola vale a pena trabalhar sob estas condições vergonhosas.

Curioso ainda é quando me lembro da professora de micologia quando falava que a investigação na fful andava a ser dominada por estudantes de outras áreas das ciências (biológicas, químicas...). Achava ela muito estranho que os farmacêuticos não queiram fazer carreira académica. É óbvio que ninguém está para se chatear com um trabalho exaustivo e sempre ao sabor da orientação do professor doutor, quando pode ganhar algo de jeito a trabalhar numa farmácia comunitária. E isto é motivo de surpresa? Não. É motivo de questão, claro. Mas fica tudo na mesma: construímos o copo mas não sabemos o que devemos fazer com ele...

;-)

riacrdoo disse...

Gostei do facto do súbdito doutorando #2 não ter voto na matéria!!
Eu sabia que com este post era capaz de arrancar com muito custo um comment do Paulo! :P :P :P
Mas como a Andie muito bem disse, alguns fazem esta investigação part-time: entram na fac às 9.30 da manhã, têm 2 horas de almoço, e saiem às 5 da tarde. Mas gabam-se de fazer investigação, que são muito rigorosos e muito competentes!