sábado, agosto 26, 2006

Farmacoepidemiologia

A importância desta área tem sido crescente. A farmacoepidemiologia foi tema de discussão na 22ª edição do Congresso Internacional de Farmacoepidemilogia e Gestão de Risco, em Lisboa. Neste congresso a notícia que mais importância despertou nos meios de comunicação foi o estudo efectuado pelo Centro de Estudos de Farmacoepidemiologia do ANF, revelando que, em média, 8 pessoas são hospitalizadas por dia devido a intoxicações medicamentosas.
Define-se este tipo de intoxicação como sendo um efeito duma toma excessiva, acidental ou sem qualquer indicação para o doente, provocando vários tipos de reacções desde problemas cardiovas
culares ou respiratórios, podendo levar mesmo à falha dos órgãos vitais do organismo. Os números vêm referenciados aqui, onde se resume como sendo a maior causa destas intoxicações, a automedicação. A automedicação é de facto um grande problema que se põe cada vez mais na sociedade de hoje. Ainda há dias escrevi sobre a venda de medicamentos via internet, onde obviamente a automedicação impera, tornando este meio um perigo enorme para o estudo da segurança e eficácia do medicamento, uma vez que não está delineado um programa de farmacovigilância via internet.
A automedicação é uma das grandes justificações para a existência da farmacovigilância, e o que sempre me indignou nesta área é a falta de obrigatoriedade da notificação. Se por um lado o facto de ser voluntário evita as "enchentes" de notificações que muitas vezes podem adiantar pouco sobre a segurança do medicamento; por outro lado, a não-obrigatoriedade acaba por lentamente se transformar em negligência, o que torna as coisas mais difíceis de evoluir para a farmacovigilância e sobretudo para a farmacoepidemiologia.
Um estudo sobre a automedicação, um estudo deste tipo que o ANF terá encomendado, não poderá ter sido mais oportuno. Digo isto porque, relembrando este último ano e meio, têm vindo a realizar-se muitas revoluções na profissão farmacêutica, sendo duas delas a existência de parafarmácias e o aumento da lista dos MNSRM. Sendo esta média de intoxicados medicamentosos tão alta, só mostra que o papel do farmacêutico é muito importante no que toca ao aconselhamento terapêutico, e (não me arranquem a cabeça por dizer isto!...) que os profissionais de saúde andam a "dormir na forma". Quanto ao primeiro ponto, não vou discutir. Mas justifico a minha segunda frase da seguinte maneira:
- o médico prescreve demais em Portugal. As pessoas levam as receitas, trocam-nas por medicamentos e muitas vezes têm medicamentos a mais porque depois chegam a casa e decidem não tomar nada! (lê-se no artigo, que uma causa d
a automedicação é este excesso doméstico)
- a indústria farmacêutica prefere fazer caixas com unidades que invariavelmente têm número maior do que o suficiente para o tratamento da doença, levando mais uma vez ao dito excesso de medicamentos.

- o farmacêutico, como último (e muitas vezes único) profissional de saúde com o qual o público em geral contacta, muitas vezes torna-se negligente na dispensa de medicamentos que são sujeitos a receitas médicas. E isto é que eu acho intri
gante. Claro que devem dizer que muitas destas intoxicações também são voluntárias como meio de suicídio, mas o problema põe-se da mesma maneira: como é que podemos evitar que o medicamento se torne uma arma quase tão nociva como tão eficaz? A minha resposta é: "melhorando as moléculas para diminuir esses efeitos nocivos". Não é nenhum breakthrough, bem sei, mas a frustração que sinto em relação ao paracetamol (por exemplo) leva-me a pensar que às vezes não há desenvolvimentos nessa área o suficiente para realmente modificarem as estatísticas! Por isto é que a Farmacoepidemiologia é um tema tão interessante: representa os dois lados do medicamento, aquele que cura e ao mesmo tempo (em certas condições) pode piorar o estado de saúde!


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uma pequena nota: quem quer que tenha escrito o artigo da OF, ao qual fiz link, sobre este estudo, não sabe que não se denominam os medicamentos de "remédios"!!! Passei 5 anos a ouvir este alerta, por isso não podia deixar de o salientar ;-)

1 comentário:

riacrdoo disse...

Eu também acho que os profissionais de saúde andam a dormir na forma... Eu já várias vezes disse que nós devíamos aprender a lidar uns com os outros, que devíamos saber muito bem quais os funções que cada um exerce. Deixava de existir sobreposição de funções, e melhorávamos em muito a saúde em Portugal. E nós quasi-farmacêuticos também não podemos estar a sempre a queixar dos médicos, que também temos os nossos pecados!